O abraço. O abraço que parece estar a acabar. O abraço raro, o abraço verdadeiro. Da mãe que recebe o filho, da mulher que recebe o marido, do amigo que recebe o amigo. O abraço que não se pensa, que não se imagina. O abraço que não é; o abraço que tem de ser. O abraço que serve para viver. O abraço que acontece – e que não se esquece. Um dia hei-de passar todo o dia a ensinar o abraço. A visitar as escolas e a explicar que abraçar não é dois corpos unidos e apertados pelos braços. Abraçar é dois instantes que se fundem por dentro do que une dois corpos. Abraçar é um orgasmo de vida, um clímax de partilha – uma orgia de gente. Abraçar é fechar os olhos e abrir a alma, apertar os músculos e libertar o sonho. Abraçar é fazer de conta que se é herói – e sê-lo mesmo. Porque nada é mais heróico do que um abraço que se deixa ser. Porque nada é mais heróico do que ter a coragem de abraçar, em frente do mundo, em frente da dor, em frente do fim, em frente da derrota. Abraçar é a vitória do homem sobre o homem, da pessoa sobre a pessoa. Abraçar é celebrar a humanidade. Abraçar vale mais do que amar. Abraçar é o amor que se ultrapassa. O amor que se transmuta. O amor que se apaixona por se ser amor. Abraçar é mais do que o amor, mais do que a paixão, mais do que o tesão, a excitação ou a pulsão.
Abraçar é para além do que abraça, para além do que é abraçado, para além do que sente ou que é sentido. Abraçar não se sente nem se sente muito. Abraçar é. E pode ser tudo aquilo que não é – mas que não deixa de ser. Pode ser o abraço que é “vem, ama-me”, pode ser o abraço que é “adoro-te, meu filho”, pode ser o abraço que é “obrigado por estares aí, meu amigo”. O abraço pode ser todos os abraços do mundo. E cada abraço é todos os abraços do mundo. E cada abraço é todos os mundos num abraço, em dois pares de braços que se tocam, que se fundem, que se encontram e que se elevam. Para lá do que sentem, para lá do que entendem. Um abraço verdadeiro é mentira, alucinação – e não é isso que o inibe de ser a mais verossímil das verdades, a mais palpável das realidades. Um dia, hei-de passar todo o dia a ensinar o abraço. Nas escolas, nas estradas, nos becos de urina e de lágrimas. O abraço. A unir o menino traquina e o menino traquinado, a criança que humilha e o desgraçado humilhado. O abraço. A unir A prostituta que se rende e o gestor que se vende. O empregado que resiste e o cabrão que insiste.
Todos. Num abraço. O abraço resolveria todos os problemas do mundo.
E no entanto não deixaria de não resolver problema algum. E é sempre assim, no mundo, na vida, no sonho, na dor. É sempre assim e nunca deixará de ser assim: é aquilo que nada resolve que tem de resolver tudo o que há para resolver. Não tem nada que saber apesar de ninguém o saber: é aquilo que não serve para nada que serve para tudo.
Pedro Chagas Freitas, no livro ‘Eu Sou Deus’. Lisboa: Chiado editora, 2012.