Agregados de α-sinucleína em células intestinais. A imagem de microscopia confocal mostra uma célula enteroendócrina, com núcleo celular em azul, citoesqueleto de actina marcado em verde e agregados citoplasmáticos da proteína α-sinucleína.
[Imagem: Matheus de Castro Fonseca/CNPEM]
[Imagem: Matheus de Castro Fonseca/CNPEM]
Microbiota e disbiose
Há evidências crescentes de que a microbiota intestinal pode influenciar no desenvolvimento e na progressão de distúrbios neurodegenerativos.
Dois estudos feitos por pesquisadores brasileiros não só reforçam essa hipótese como também descrevem o mecanismo pelo qual a disbiose – como é chamado o desequilíbrio entre espécies bacterianas patogênicas e benéficas no intestino – pode favorecer o surgimento da doença de Parkinson.
O caso mais documentado é uma maior abundância da espécie bacteriana Akkermansia muciniphila entre os pacientes da doença neurodegenerativa.
“Foi recentemente descrito que células específicas do epitélio intestinal, chamadas de células enteroendócrinas, possuem muitas propriedades semelhantes às dos neurônios, incluindo a expressão da proteína α-sinucleína [α-Syn], cuja agregação está sabidamente relacionada com a doença de Parkinson e com outras doenças neurodegenerativas.
“Por estarem em contato direto com o lúmen intestinal – isto é, o espaço interior dos intestinos – e se conectarem por sinapse com os neurônios entéricos, as células enteroendócrinas formam um circuito neural entre o trato gastrointestinal e o sistema nervoso entérico, sendo assim um possível ator-chave no surgimento da doença de Parkinson no intestino,” explicou o professor Matheus de Castro Fonseca, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas (SP).
Parkinson do intestino para o cérebro
Com esses conhecimentos em mente, o grupo brasileiros queria entender se os compostos secretados pela bactéria Akkermansia muciniphila poderiam iniciar a agregação da α-sinucleína nas células enteroendócrinas. E se a α-Syn agregada nessas células poderia, então, migrar para terminações nervosas periféricas do sistema nervoso entérico.
“Constatamos que as proteínas secretadas pela bactéria, quando cultivadas na ausência de muco intestinal, induzem uma sobrecarga na sinalização intracelular de cálcio das células enteroendócrinas. Isso gera estresse nas mitocôndrias dessas células [as organelas responsáveis pela produção de energia]; síntese e liberação de espécies reativas de oxigênio [que em excesso danificam as estruturas intracelulares]; e, então, agregação da proteína α-Syn,” contou Fonseca.
“Além disso, quando cultivamos juntos as células enteroendócrinas e os neurônios, vimos que a proteína α-Syn agregada pode ser transferida de um tipo celular para outro”, acrescenta.
A descoberta é muito importante, mostrando que a disbiose intestinal pode levar ao aumento de espécies de bactérias que, eventualmente, contribuem para a agregação da α-Syn nos intestinos. E que essa proteína pode então migrar para o sistema nervoso central, configurando um possível mecanismo de surgimento da doença de Parkinson esporádica.
“A cascata de reações pode começar nos intestinos e subir para o cérebro. Pessoas com predisposição à doença Parkinson esporádica geralmente apresentam, muitos anos antes, quadros recorrentes de constipação intestinal. Em nosso estudo com modelos animais, verificamos uma correlação direta entre disbiose intestinal e Parkinson,” comentou Fonseca.
A equipe brasileira desenvolveu o mecanismo pelo qual as bactérias intestinais afetam os neurônios cerebrais.
[Imagem: Dionísio Pedro Amorim Neto et al. – 10.1016/j.isci.2022.103908]
[Imagem: Dionísio Pedro Amorim Neto et al. – 10.1016/j.isci.2022.103908]
Prevenção alimentar para Parkinson
Os estudos sobre os microbiomas presentes no organismo humano estão avançando rapidamente. E há uma crescente compreensão da correlação entre o desequilíbrio da microbiota intestinal e as doenças neurodegenerativas – não apenas Parkinson, como também Alzheimer e até mesmo autismo.
Revisões alimentares, com vista a reequilibrar a microbiota intestinal, e transplante não invasivo de microbiota intestinal, por meio de cápsulas, podem ser importantes recursos para prevenir essas doenças.
“As doenças neurodegenerativas ainda não têm cura. Por isso, a prevenção é fundamental. Antes o foco das pesquisas era o cérebro. E, com décadas de estudos, não se avançou muito nesse sentido. Agora estamos redirecionando o foco, do cérebro para os intestinos. E as novas descobertas parecem muito promissoras. É muito mais fácil modular a microbiota intestinal do que enfrentar um quadro estabelecido e consolidado no sistema nervoso central,” concluiu Fonseca.
FONTE:diariodasaude/Agência Fapesp