Educação

“Currículo da Cidade Educadora” articula cultura local e educação com práticas pedagógicas

Uma festa popular no meio da rua, benzedeiras entoando rezas, uma associação de moradores que se reúne todo mês, um bairro que redescobre suas origens afro-brasileiras. Cada território contém e cultiva saberes e práticas singulares, que quando reconhecidos pela escola, dissolvem os muros entre educação, comunidade e cidade.

É acreditando neste potencial pedagógico que o programa Cidades Educadoras, da organização Cidade Escola Aprendiz, lançou nesta sexta-feira (19) a plataforma Currículo da Cidade Educadora. Fruto do conhecimento acumulado ao longo de dois anos por meio da atuação em escolas do Butantã, Heliópolis e Fundão do Jardim Ângela, bairros de São Paulo, a plataforma promove o conceito da cidade enquanto território educativo, visibilizando saberes locais, mapeando potenciais educativos e disseminando práticas pedagógicas inspiradoras.

O lançamento aconteceu durante o encontro “Cultura e Educação: Tecendo Territórios Educativos”, que se deu no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, e reuniu gestores, educadores e coletivos que fizeram parte da trajetória da plataforma.

“A ideia é que dialoguemos sobre como a articulação entre cultura local e educação é capaz de gerar aprendizagens contextualizadas e pertinentes, desenvolvendo nos territórios mudanças nas engrenagens cotidianas, alterando cenários e colaborando na criação de vínculos que transformam o sujeito positivamente”, explicou Dayana Araújo, gestora do projeto.

Lançamento da plataforma  “Currículo da Cidade Educadora”, no Instituto Tomie Ohtake / Crédito: Ricardo Miyada

Saberes locais e potenciais educativos

O Currículo da Cidade Educadora está pautado pelos princípios da Cidade Educadora bem como da Educação Integral e articulou-se a coletivos e agentes dos territórios para desenhar e sistematizar seus saberes.

“A organização Cidade Escola Aprendiz sempre trabalhou conectando uma série de instituições para pensar educação, olhar a escola, reconhecer práticas pedagógicas e todos os fazeres cotidianos, que são muito ricos”, relatou Raiana Ribeiro, gestora de projetos da organização. “O Currículo da Cidade Educadora é justamente a articulação desses saberes, seu reconhecimento e a valorização deles enquanto potenciais educativos para escolas.”

O lançamento integrou também a programação do Prêmio Territórios, iniciativa do Instituto Tomie Ohtake, em parceria com a Cidade Escola Aprendiz e a Estácio, que premia e reconhece projetos articuladores entre escola e território em São Paulo. Já em sua terceira edição, o prêmio está com inscrições abertas até 10 de dezembro.

A partir da prática e do trabalho com os coletivos, foram então identificados os saberes locais presentes com maior ou menor intensidade em todo e qualquer território. Modos de ser e fazer, estes saberes são socialmente construídos e consistem em hábitos, valores, memórias e histórias dos que ali residem. Assim, operam como insumos e vivências para a construção de aprendizagens significativas e relevantes para crianças e jovens.

Ao todo, foram mapeados 18 saberes locais: Alimentação, Brincar, Calendário Local, Cultura de Paz, Cultura Popular, Curas e Rezas, Economia Local, Étnico-racial, Expressões Artísticas, Gênero, Habitação, Língua Falada, Meio Ambiente, Mobilidade Urbana, Narrativas Locais, Organização Política, Patrimônio e Tecnologia.

Em roda, representantes dos coletivos paulistanos consultados pelo projeto explicaram como determinado saber se converte em fazer. No saber “patrimônio”, por exemplo, a representante do coletivo Hey Sampa!, Paula Dias, falou sobre como a cidade se apresenta enquanto desafio e potência para a educação patrimonial: “A cidade não é um lugar fácil de pensar, porque se constrói e se reconstrói o tempo todo. Mas essa incompletude faz com que a gente cresça, e a educação patrimonial vem com essa intencionalidade: a de mapear sonhos, medos, escolhas, memórias e aprendizados, partindo da premissa de que o registro, a exploração e a observação fazem o saber da cidade.”

Paula Dias, do coletivo Hey Sampa! fala sobre educação patrimonial / Crédito: Ricardo Miyada

A multiplicidade de falas visou provocar a escola a entender como se apropriar desses saberes e alargar sua relação com o território, transformando-se assim em um espaço de democracia e construção de significado, de fato. “Esses saberes representam identidades e singularidades das crianças e famílias que estão nas escolas. E se estamos falando e buscando uma educação integral, a escola deve ser trazida para a conversa. Ela precisa reconhecer essa cultura e esses sujeitos como centrais”, adicionou Raiana.

Uma das formas de fazê-lo é via a adoção de práticas pedagógicas que reconheçam o direito da criança e do adolescente a esses saberes, muitos dos quais já vivenciados dentro e fora de suas casas. Assim, dentro da plataforma Currículo da Cidade Educadora, estão listadas diversas práticas pedagógicas que podem servir de inspiração.

Oficinas de experimentação

Para concluir o encontro e também demonstrar como são possíveis e potentes as costuras entre as práticas, saberes e a escola, foram realizadas quatro oficinas ministradas por um coletivo articulador em parceria com uma escola para destrinchar os seguintes saberes: expressão artística, organização política, alimentação e mobilidade urbana.

Este último, por exemplo, foi abordado pelo coletivo apē – estudos em mobilidade. Partindo do pressuposto de que “deslocar-se é essencial, é o que mais fazemos enquanto seres humanos”, como falou a arquiteta Julia Savaglia, a oficina “Caminhar é Preciso: reconhecendo o território educativo” convidou seus participantes a se lançarem pelos arredores do Instituto para identificar na rua quais interações, elementos naturais, formas e sensações permitem criar uma outra leitura, mais lenta e pessoal, da cidade.

Oficina “Caminhar è Preciso” aconteceu dentro e fora do Tomie Ohtake, revelando potencial do entorno / Crédito: Ricardo Miyada

A escola convidada para endossar a discussão foi a EMEI Gabriel Prestes, situada no centro de São Paulo e que pratica passeios com as crianças pelo seu entorno a fim de propor outra relação entre infância e cidade. A EMEI já foi uma das agraciadas com o Prêmio Territórios.

Já na oficina “Comer é cultura: saberes e fazer na cidade”, o convite foi para se aventurar no saber alimentício. No centro de uma mesa, foram dispostos ingredientes como cambuci, tamarindo, uvaia e castanha de pequi. O negócio social Pé de Feijão trouxe estes alimentos oriundos da Mata Atlântica para refletir sobre a importância de se consumir localmente e entender quem produz e como o alimento chega à mesa.

Para dar corpo a esta relevância, a EMEI Chácara Sonho Azul contou da sua experiência de envolver as crianças no processo de feitura das merendas. Desde o cultivo até o preparo do prato, os estudantes estão presentes, mostrando que a alimentação como saber é incorporada quando a relação entre indivíduo e alimento ganha significado.

Fonte:portal.aprendiz/Cecília Garcia

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