LGBT Cult

Um Estado Laico é importante para LGBTs e religiosos (e ambos devem ter representatividade)

Parada do Orgulho LGBT deste ano defende laicidade do Estado, para haver pluralidade de crenças e proteção às conquistas. 

Parada do Orgulho LGBT de São Paulo deste ano aconteceu neste domingo (18), em São Paulo e traz como tema mais um assunto crucial para a vida de lésbicas, gays e transgêneros brasileiros: o Estado Laico.

Com o slogan Independente de nossas crenças, nenhuma religião é lei! Todas e todos por um Estado Laico”, a 21ª edição do evento elegeu o tema baseando-se em uma série de desrespeitos à laicidade do Estado brasileiro que interferem diretamente na vida dos cidadãos LGBT.

“As bancadas evangélicas estão crescendo no Brasil e isso impede nossas conquistas”, diz em entrevista ao HuffPost Brasil Claudia Regina dos Santos Garcia, presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT SP), a respeito da escolha do tema.

“Tem de haver laicidade, porque se o Estado for teocrático, cria-se uma ditadura perversa em que se tira o direito de quem não está adequado segundo os conceitos de cada religião.”

AFP/GETTY IMAGESA modelo e ativista trans Viviany Beleboni protesta contra a bancada evangélica na Parada LGBT de 2016.

Em justificativa, a organização menciona projetos de lei e articulações de bancadas religiosas fundamentalistas – evangélicas e católicas, que tendem a atuar em conjunto –, como o Estatuto da Família e esforços para barrar a abordagem de gênero e orientação sexual na educação escolar. São empreitadas que prejudicam diretamente a luta por direitos para a minoria LGBT.

Resistir contra isso, pondera Garcia, não implica em desrespeitar o direito à representatividade das comunidades religiosas nas instâncias de poder, algo que os LGBT também têm. Uma vez que o Estado é laico, deve haver espaço democrático para todos.

“A religião é uma questão de foro íntimo. Religiosos não têm reivindicações, como negros, mulheres e comunidade LGBT. É uma agremiação que se junta por afinidade de cultos. As reivindicações deles são enquanto cidadãos, mas não enquanto força religiosa. Quem paga o salário desses parlamentares também são ateus, pagãos, ou pessoas que têm outras religiões.”

A cientista da religião Clarissa de Franco, professora da pós-graduação em Religião e Cultura do Centro Universitário Assunção (Unifai), defende que é necessário buscar o entendimento conceitual do que é Estado Laico.

“Estado Laico não é ‘estado ateu’. Ele deve garantir a pluralidade de crenças e a manifestação delas. A abordagem religiosa na política deve acontecer de maneira em que não haja espaço majoritário a uma religião ou a um grupo religioso em relação a outros – e sem que as religiões interfiram no que é competência estatal.”

Além da separação de assuntos estatais da religião, um Estado Laico deve garantir e proteger a liberdade dos cidadãos de praticarem a religião que bem quiserem.

O Estatuto da Família (PL 6583/2013) é um exemplo de excesso cometido por parlamentares religiosos fundamentalistas. Criado por Anderson Ferreira (PR-PE), o projeto de lei propõe que apenas arranjos familiares constituídos por homens e mulheres que gerem filhos tenham direitos de família. (Você pode acompanhar aqui a tramitação do PL.)

Em abril, sob pressão de fundamentalistas, o Ministério da Educação (MEC) retirou as expressões “orientação sexual” e “identidade de gênero” da base comum curricular, documento que será utilizado em todo o país para definir conteúdos abordados em sala de aula.

NURPHOTO VIA GETTY IMAGESActivists participate in the Walk of Lesbian and Bisexual Women in Largo Payssandu, central SP. The act was organized by the LGBT (lesbian, gay, bisexual and transgender) in São Paulo, Brazil, on May 28, 2016. Posters displayed while walking criticized the current President of Brazil, Michel Temer. (Photo by Cris Faga/NurPhoto via Getty Images)

E o famoso projeto de lei da “cura gay”, ou PL 4931/2016 – que defende o “direito à modificação da orientação sexual em atenção a dignidade humana” –, foi retomado em março por seu autor, Ezequiel Teixeira (PTN-RJ).

Em sua justificativa, a APOGLBT SP menciona também que, no Congresso Nacional, a discussão sobre a criminalização da LGBTfobia, uma das causas mais importantes para a comunidade hoje, é prejudicada pelos que citam “suas visões de fé, como se estivessem em lugares religiosos e não em uma instituição que deveria se orientar pela laicidade, portanto, pelo respeito à Constituição”.

Franco, que também é pesquisadora de direitos humanos e gênero, diz que o perfil moralizante da atuação de religiosos vinculados à política afeta os processos legais da democracia.

“A representatividade evangélica tem encontrado resistência na sociedade justamente porque está na ofensiva”, explica. “Ela é legítima, mas o problema é a interferência em outros setores.”

A especialista diz ser importante que religiosos lembrem-se que, acima de seus dogmas, há princípios – e muitos deles são de tolerância, diálogo e estender a mão ao próximo, independente quem seja. E para entender o conflito mais a fundo é importante considerar que a representatividade LGBT e de setores religiosos no Congresso são pouco realistas.

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a bancada cresce a cada eleição – só em 2014, 80 foram eleitos, segundo dados da corte. Em entrevista à Reuters, o presidente do TSE, Gilmar Mendes, expressou preocupação com o “poder de persuasão” das igrejas. E a corte quer controlar a influência delas em eleições.

HuffPost Brasil informa que as frentes evangélicas e católicas somam mais de 200 dos 513 deputados federais. Em entrevista ao site, o deputado Hidekazu Takayama, do PSC-PR, que comanda a bancada desde abril, disparou posições contraditórias a respeito de pessoas LGBT, como apoiar a criminalização da homofobia e ser contra as práticas sexuais de gays.

“O problema é que esse grupo é muito grande. Com isso, a representatividade passa a não ser mais real em relação à porcentagem que a gente tem na população”, diz Franco.

É necessário que a democracia disponha de mecanismos para que setores da sociedade sejam representados de maneira proporcional no Congresso.

NURPHOTO VIA GETTY IMAGESPeople attend a vigil in front of the Masp in Sao Paulo, Brazil on June 15, 2016, in reaction to the mass shooting at a gay nightclub in Orlando, Florida. Fifty people died when a gunman allegedly inspired by the Islamic State group opened fire inside a gay nightclub in Florida, in the worst terror attack on US soil since September 11, 2001. (Photo by Cris Faga/NurPhoto via Getty Images)

“[Evangélicos] também têm o direito de colocar a falar deles, mas é necessário aumentar a representatividade LGBT para que essa luta se torne justa. A voz religiosa dentro do Estado Laico é uma, e não a única. Hoje, a voz da religião também é plural, e nós precisamos ouvi-la também, senão ficamos muito centrados nessa ótica de ‘progressista versus conservador’.”

Em recente levantamento, os pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp) Esther Solano, Pablo Ortellado e Marcio Moretto, realizado na Marcha para Jesus da última quinta-feira (15), mostram que ser evangélico não é sinônimo de ser intolerante conservador, como são os da bancada: 77% dos entrevistados para a pesquisa concordam com a frase “a escola deveria ensinar a respeitar os gays”.

“Afirmações sobre o direito das mulheres, como usar a roupa que quiser ou transar com quem quiser, tiveram alto índice de concordância (76% e 64%)”, disse Ortellado ao El País Brasil.

“O preconceito faz com que a opinião ache que eles são conservadores e que o voto é de cabresto, mas na realidade isso não se mostra.”

Garcia pondera a respeito dos resultados da pesquisa: “Essa posição em relação aos LGBT pode até ser progressista, mas eles votam em candidatos conservadores que não toleram as diferenças. Esse pessoal da Marcha para Jesus sustenta esses políticos”.

“Na hora de falar, ser progressista é fácil, mas e na hora de agir? Será que vão estar juntos, por exemplo, para escolher candidatos progressistas?”

Para Franco, é possível chegar a um meio-termo se as partes desse conflito frequentarem espaços de diálogo e os direitos humanos forem priorizados, além de buscar a equiparação de representatividade.

“É pela via da democracia que a gente chega lá. É preciso entender que nem todos os religiosos são preconceituosos e direito é uma coisa que não tem que ser negociada. A lei que criminaliza a homofobia é para ontem“, afirma.

A presidente da APOGLBT SP frisa que é importante observar o caminho que países teocráticos têm tomado, e que o Brasil está em um processo de “muitos retrocessos”. “A gente tem que lutar muito pelo Estado Laico. É o mínimo de garantia que a gente precisa”, defende.

“É importante se viver em um país em que você é respeitado e não se sinta perseguido. Deus não precisa de governo. Quem precisa de governo são as pessoas.”

Fonte:huffpostbrasil/Caio Delcolli

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